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A mostrar mensagens de 2015

Um exercício de inteligência e de cidadania

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Desculpem-me vir aqui, de certa forma, falar em causa própria, mas é inevitável.  Refiro-me à exposição   Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território] ∙ Paisagem e povoamento , inaugurada no dia 17 de outubro, no Centro Internacional de Artes José de Guimarães e aberta, para a sua visita, até ao dia 31 de janeiro. Há mais, mas, no meu entender, são três os argumentos principais para não perder esta mostra.  Em primeiro lugar, trata-se de celebrar o triunfo da fotografia como elemento mediador entre o espaço real e o imaginário. Apesar de esta exposição incluir muitos outros elementos (algumas verdadeiras preciosidades, raramente ou nunca vistas antes) que ajudam esta mediação  —  mapas, relatórios, fichas, atlas, filmes, sons  —  é na fotografia, neste seu papel de mediador, nas potencialidades e nos limites que carrega para o exercício dessa função, na sua aura e no seu sortilégio, que se situa o coração deste projecto ímpar.  Contribuir para esta grande celebração, partic

Dizer por música

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Victor Hugo disse da música que ela expressa algo que não pode ser dito, mas sobre o qual não se pode ficar calado. Esta economia da música estende-se, creio, a muitas outras manifestações do espírito humano. Por outras palavras, há música em muitos dos nossos actos e actividades. Há música nas outras artes, há música na ciência, há mesmo música  no dito, ou seja, podemos expressar algo que não pode ser dito  naquilo que é efectivamente dito. Não há aqui jogos de palavras. Podemos escrever ou  pintar  com música. Talvez esteja aí a origem daquela expressão "isso é música para os meus ouvidos!" Há, com efeito, situações, factos, pessoas que são música, neste sentido que Victor Hugo lhe quis dar. Há, desta forma  também , é fácil  percebe-lo,  música nas  palavras  de Antonio Tabucchi. A Antonella Barletta juntou-se finalmente a nós, completando assim a equipa que produz "Mulher de Porto Pim", a leitura encenada que viemos realizar à Ilha Graciosa baseada e

Sortilégios da Graciosa

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Em "Caça à baleia" – um dos contos de Tabucchi que compõem esta leitura encenada a que demos o título genérico de "Mulher de Porto Pim" – o vigia grita, a dada altura, "baleia à vista!" Este grito fazia parte da complexa "semiologia dos baleeiros". Ouvia-se no navio quando era chegado o momento de iniciar as operações da caçada. Em terra, a proximidade da baleia traduzia-se por um sinal sonoro diferente. O grito precisava de chegar mais longe. Um som cumpria essa função. O  som de um foguete, especialmente criado para este efeito, estralejava indicando a proximidade da baleia e simultaneamente a sua localização. Mais tarde uma "buzina", uma espécie de sirene accionada manualmente, dava o alerta. A localização e estado da baleia eram, neste caso, indicados por um sistema complementar de bandeiras. Depois surgiu a "fonia". A nova tecnologia aumentou o raio de alcance da "semiologia dos baleeiros", transforma

O afinador dos Açores

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"É preciso encontrar a afinação e mantê-la", explicava-me Márcio Vargas, o afinador de pianos açoreano. Diz-me isto enquanto afina o piano com o qual Antonella  Barletta — a pianista italiana que connosco percorre a rota desta "Mulher de Porto Pim" — executará duas pequenas valsas, em ternário Morricone com travo ilhéu, que marcam a distância entre duas das quatro histórias de Tabucchi que compõem esta leitura encenada. O que Vargas me procura dizer é que, depois de encontrada a tal afinação, ela terá de ser mantida, pese embora o quadro de funcionamento de um mecanismo complexo, delicado e sensível, feito de cordas, teclas, martelos, feltros e pedais, que é o piano, tocado pelos dedos de um pianista, em condições ambientais que podem ser muito variáveis. Afinar um piano não é, pois, encontrar simplesmente a frequência exacta. É assegurar que ela se mantém exacta nas circunstâncias particulares em que o piano vai ser tocado. Aí reside a arte do afinador. "

Amor e morte

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Não há absolutamente nada na vida que substitua viver um grande amor . Não há transcendência artística, exaltação filosófica, êxtase metafísico, glorificação social, transe ritual, não há nada que consiga equiparar-se sequer ao sentimento que emana de um grande amor. Sem querer soar "moralista", acho mesmo que um dos grandes problemas da humanidade poderá ser a falta dessa experiência. Quantos tiranos não passarão, no fundo, apenas de desamados, quantos crimes violentos se poderiam ter evitado se o criminoso tivesse experimentado uma daquelas paixões de caixão à cova? Quanta frustração, quanto acto irreflectido não são consequência, simplesmente, do facto da procura não ter correspondido à oferta? No fundo, queremos viver o grande amor. É a nossa vocação de seres humanos, por mais bonitos ou feios que sejamos, esteja o nosso percurso de vida num estado adiantado ou em fase preambular, por mais alto ou baixo que o nosso pecúlio nos coloque na tabela social. Caminhamos

I mix, I scratch, I sample...

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Depois de O Fim das Possibildades, o Teatro da Rainha volta a Jean-Pierre Sarrazac com a Morte de um DJ . Já quase perdi a conta, mas creio que este será o meu 28ª trabalho com esta companhia, a que se devem juntar mais cerca de uma dúzia de outros trabalhos que envolveram o TR integrado noutras estruturas ou coproduções. A encenação desta nova produção do TR, cujos ensaios começaram agora, é da responsabilidade de Fernando Mora Ramos, que assina também a tradução. Faço parte de uma equipa de amigos, um cadinho de ternuras e cumplicidades, muito talento, dedicação e profissionalismo, que integra os actores Alexandre Calçada , Fábio Costa e Maria Quintelas, José Carlos Faria, responsável pelo cenário e António Plácido que concebe a luz. Um texto intrigante e actual, sobre a Europa, depois de acordar, sem maquilhagem, após a queda do Muro, a precariedade, a dessolidariedade , o abandono, a barbárie. Uma música a condizer. Post-barroca. Electrónica. Okupa ! Mais notícias à medid

Andamos todos ao mesmo

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TUNA/TNSJ Prefiro pensar assim. Prefiro acreditar que os meus sentimentos, as dúvidas que me apoquentam, os dilemas que me dilaceram, as iniquidades que me enraivecem, são afinal partilhados por todos. Imaginem que cheguei a esta conclusão depois de assistir a um debate sobre uma peça de teatro. Só depois do debate fui assistir à peça. Tudo visto e ouvido, ocorreu-me então a possibilidade: andamos, decididamente, todos ao mesmo. A peça foi “O Fim das Possibilidades” , a coprodução do Teatro da Rainha e do Teatro Nacional de S. João baseada no texto de Jean-Pierre Sarrazac. Em torno da sua apresentação em Lisboa, no TNDMII, foi organizado um pequeno debate em que participou um interessante, heterodoxo e bastante inesperado painel. Na peça está tudo o que sujbjaz a este nosso quotidiano: a vida, a morte, o passado, o presente, o futuro, o acto vital de viver no presente, o desafio arriscado de recordar o passado, o futuro inevitável que nos assombra o presente, a solidariedad