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A mostrar mensagens de 2006

Tempo suspenso

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É a segunda referência a Stockhausen que faço num relativamente curto lapso de tempo (ver aqui uma outra nota na versão inglesa dos Fragmentos, sobre o 'Hymnen'). Falando de tempo, fui ontem ouvir 'Stimmung' de Stockhausen ao Mosteiro dos Jerónimos. Um concerto integrado na edição de 2006 do festival Música Viva. Ao ouvir a excelente prestação do Sing Circle, no antigo refeitório dos monges, não pude deixar de pensar que se fundiam naquele momento três tempos diferentes. Parece de facto que "o tempo não pode ser separado do ser", como dizia Stockhausen a Jonathan Cott numa conhecida entrevista. Um primeiro tempo: o local. O antigo refeitório dos monges da Ordem de S. Jerónimo foi construido entre 1517 e 1518. Ouvindo 'Stimmung' naquele ambiente não me pude abstrair dos ecos do passado que emanam daquele local e da utilização original que teve. Imaginei os monges sentados, recolhidos, tomando as suas refeições acompanhados pela leitura, c

Quase luto

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Acabo de ouvir a pianista Maria João Pires anunciar que vai viver para o Brasil. Com esta decisão chega ao fim o projecto Belgais. Tive a oportunidade de visitar Belgais e conhecer um pouco este projecto em 2003. O que ouvi e vi deixou-me um sentimento de empolgamento como há muito não experimentava. Belgais era um projecto sem paralelo. Maria João Pires justifica a sua saída do país com os "malefícios" que Portugal lhe estaria causar. Era quase a sua sobreviência física que estava em causa, afirmou. Agora a pianista vai para S. Salvador da Bahia onde irá criar um novo projecto na linha do que idealizou para Belgais. Esse, entretanto, sem ela por perto, irá certamente definhar e encontrar um fim sem glória.  É quase um sentimento de luto aquele que experimento neste momento. Foto: Coro de Belgais actuando no Coimbra Vibra! em 2003  

Escute!

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Escutar não vai curar o mundo, mas pode ajudar...

O ruído é do povo?

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Há cerca de vinte anos estive  profundamente envolvido na elaboração e implementação do Regulamento Geral sobre o Ruído. Todos nós, os que nos interessamos e lutamos por um ambiente mais equilibrado e, em particular, trabalhamos na área específica da comunicação e da ecologia acústica, nos congratulámos com o surgimento deste Regulamento. Significava um passo importante —susceptível de correções certamente— no sentido de criar uma comunidade mais civilizada em Portugal. Penso que o respeito pelo direito a um ambiente sonoro equilibrado é a bitola para medir o grau de civilidade de uma sociedade.  Na altura, o RGR foi alvo de uma série de críticas que, raramente, tinham algum fundamento ou legitimidade. Lembro-me. em particular, da reacção de um pateta, que mais tarde foi ministro da República Portuguesa, um dos políticos que mais “ruído” —aqui no sentido mais básico do termo, i.e., som sem conteúdo informativo, som incomodativo— consegue gerar. Escrevia a criatura no jornal que en

Vidas perdidas

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H á quase 60 anos ia passar férias a uma quinta de uns amigos de meus pais. Passei hoje por lá. A foto mostra um caminho, junto dessa quinta, que percorri vezes sem conta durante as minhas brincadeiras. Está praticamente na mesma. A quinta fica a uns 50 quilómetros de Lisboa. A viagem na altura era uma odisseia para a qual nos tínhamos de preparar com tempo e cuidado. Apesar de não haver problemas de tráfego nesse tempo, os escassos 50 quilómetros demoravam uma eternidade a percorrer. Eu enjoava muitas vezes pelo caminho, graças às curvas e contracurvas. Não havia electricidade, na altura, por estas paragens. O dia começava e acabava cedo. A noite cerrada convidava a dormir. Ninguém ficava, obviamente, a ver o filme da meia-noite no cabo. Não havia cabo, não havia sequer rádio a pilhas nessa altura. O "transistor" portátil ainda demorou uns bons anos a fazer a sua aparição. Ninguém ficava, tão pouco, na cama até ao meio-dia. Os nossos ritmos estavam condicionados pela lu

Sem título

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O homem das castanholas

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Tentei fotografá-lo enquanto conduzia mas não consegui. Para que todos pudessem acreditar nesta história.  Tinha parado num sinal vermelho e pareceu-me ouvir atrás de mim... umas castanholas. Era verão, tinha os vidros bem abertos. O som parecia provir do carro que estava parado atrás do meu. O facto parecia-me tão insólito que pensei tratar-se de uma qualquer alucinação. O sinal abriu, afastámo-nos e eu esqueci o caso, concentrando-me na condução. Recomecei a ouvir, entretanto, as castanholas. O carro referido, reaproximva-se e acabou por me ultrapassar.  Surpresa! Pude então ver e ouvir o condutor que passava ao meu lado: dos altofalantes do carro saía uma música cheia de "salero" enquanto ele, impassível, praticava as suas castanholas e conduzia ao mesmo tempo... Que novo artigo terá de ser incluído no Código da Estrada para combater o uso de castanholas durante a condução...? E a Prevenção Rodoviária? Irá lançar a campanha "Se conduzir... não toque castan

Vida prática

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Uma conhecida loja de produtos culturais (cujo nome me abstenho de referir aqui a menos que me paguem a publicidade...), cada vez mais dedicada à venda de electrodomésticos, existe uma área na sua secção de livraria encimada pelo sinal que a foto mostra.  Não sei se se trata de uma sugestão subliminar, se é o resultado de uma qualquer filosofia comercial secreta, produto de uma acção fortuita, ou a imprevista iniciativa de um funcionário anónimo.  O resultado não deixa, em todo o caso, de dar vontade de rir. Convenhamos...

Fotógrafo da natureza

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Música e ruído

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É frequente hoje ver e ouvir as expressões música e ruído serem usadas de forma intermutável. Com John Cage aprendemos a incorporar os sons do quotidiano na música e com R. Murray Schafer o quotidiano dos sons passou a ser encarado como uma composição musical, na concepção da qual todos temos reponsabilidade. Ruído passou, pois, a poder significar também... música! Uma outra coisa, porém, é equiparar a música a ruído. O meu amigo José Carlos Faria chamava-me a atenção há dias para o facto de um dos personagens de uma nova peça em que ambos estamos a trabalhar (o cenário desta peça e a gravura inclusa que o representa são de sua autoria; ver mais informação aqui) perguntar, a propósito de uma fragmento musical que se ouvia, "Que ruído é este?". No caso, como notava aquele meu amigo, a música até era minha... Num jornal televisivo, mostrava-se uma reportagem sobre o "Rock in Rio". Uma acção de promoção levou o grupo Tocá Rufar para a rua. Centenas de percussionistas

O que seria da televisão sem a rádio?

U m excelente blog que frequento regularmente, "A Rádio em Portugal", faz hoje aqui uma pergunta que merece reflexão: o que seria da TV sem Rádio? Indo para além da questão substantiva que este post pretende abordar, a resposta a uma pergunta deste tipo tem vários níveis, ou, se quiserem, há várias respostas possíveis. Não cabe aqui fazer teoria sobre o assunto, mas parece de facto legítimo dizer que apesar do domínio avassalador dos meios de informação baseados na imagem, a operacionalidade do som faz com que a rádio seja um elemento privilegiado e insubstituível no processo de comunicação. Não só a audição é mais ágil e mais autónoma que a visão, como todo o processo de produção audio acaba por ser igualmente mais enxuto e universal. Por outras palavras, é mais fácil captar, montar e transmitir o sinal acústico que o sinal visual. De qualquer forma, a componente acústica dos meios de comunicação audio-visuais continua a ser determinante ara desespero, decerto, dos visio