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A mostrar mensagens de 2020

O novo normal

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A esteva ( Cistus ladanifer ) é uma planta muito comum em Portugal. A época da floração decorre entre Março e Junho. Nessa altura, os campos e os caminhos ficam marcados por extensas zonas cobertas pela sua flor branca e algumas pessoas referem-se-lha até como a “neve,” porque, de facto, faz lembrar um nevão tardio. São lindíssimos os campos cobertos de flor de esteva. Pessoa muito querida, todos os anos me manifestava um singelo e comovente, mas muito poético, espanto perante o espectáculo, sempre igual mas sempre renovado, desta neve-esteva.  A foto que acompanha este escrito foi tirada hoje, dia 24 de Dezembro de 2020.  São as primeiras flores de esteva.  Estamos em Dezembro.... Este é o ano da covid19, do vírus que era e que não era, dos estados de emergência on-off, das flores de esteva prematuras, dos crimes ambientais impunes, da miséria, das desigualdades e injustiças geradas por um sistema de que tantos beneficiam para prejuízo de tantos mais. O ano das escolhas, entre a inju

O SOM DO CRAVO

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U m concerto em três tempos. 1º tempo No princípio era o silêncio. O pensamento abafado, a voz muda, o segredo,  o degredo, a clandestinidade. “Se fores preso, camarada”... Portugal vivia em silêncio. Um silêncio que se vinha instalando desde tempos remotos da história, um silêncio também garantido pelo crepitar dos autos de fé.  Fé. No final de 1973, início de 1974, acreditei (e continuo a acreditar!) que a educação musical é um factor de libertação. Que pela via da música todos podemos atingir o nosso apogeu, todos podemos ser melhores seres humanos. A experiência pedagógica, fugaz, que tive nessa altura, imediatamente antes do 25 de Abril, parecia confirmar que o meu credo — de que a música deveria fazer parte do currículo escolar, não do modo acessório como acontecia até então, mas como disciplina fundadora — é uma ideia razoável, para cujas bases queria contribuir. Silenciaram-me, de forma patética, nestes propósitos. Havia tempo que tinha mer

Carta de um vírus em vilegiatura

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Genoma do do coronavirus, 2019-nCoV de Wuhan (Instituto Pasteur)   V iva, estou a falar-te daqui do meio do muco que enche os alvéolos pulmonares de um tipo qualquer — não faço ideia quem seja. É mais um. Não me consegues ver, mas eu vejo-te muito bem. Não me consegues ver, não nos consegues ver, mas nós estamos a ver-vos e somos muitos. Somos, aliás, cada vez mais. Vamos sendo cada vez mais. Graças a ti e à tua estupidez. Estamos a fazer exactamente aquilo que muitos de vocês fazem: a lutar pela sobrevivência, seja de que maneira for. Mas temos uma enorme vantagem sobre vocês. Tu, mesmo com os teus poderosos microscópios, mesmo com os teus sofisticados sequenciadores, não atinas comigo. Eu já te tirei o retrato. De corpo inteiro. E já percebi tudo o que me interessa sobre ti. Mesmo que, aparentemente, tenhas sobre mim a vantagem de uma vida mais longa e os recursos que resultam do carácter poliforme do teu organismo, não tens hipótese comigo. Nós fazemos rigorosam

Sassaricando

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Uma das cornetas, colocada aqui numa rua de foliões, com o hospital em fundo B enavente é a sede do concelho onde resido vai para 13 anos. É uma vila pacata, cheia de gente muito boa.  Periodicamente, Benavente sai do seu torpor e faz-se ouvir. Quem ler isto perguntará: faz-se ouvir? O quê, faz ouvir a sua voz? Faz sentir as suas reivindicações? Vocaliza com veemência a defesa dos valores das suas gentes? Pugna sonoramente pelos seus direitos?  Não! Planta umas cornetas acústicas, dessas do tipo que se usa nas feiras, pelas ruas da vila e faz soar umas coisas a que podemos atribuir, com enorme dose de boa vontade, uma vaga parecença com música. Com isto azucrina os ouvidos dos fregueses, sem que estes tenham direito ao contraditório, i.e., sem escapadela possível. Esperemos que, cumprida a sua missão, esse material seja, entretanto, retirado mais rapidamente que o foram as decorações de Natal... Passar nas ruas de Benavente durante os períodos das “festas” (acontece no