Tocar

Em música, usamos a palavra tocar com significados diversos. Dizemos que tocamos um instrumento ou que tocamos numa orquestra, por exemplo.
Mas tocar, em música, é sobretudo atingir alguém com ela, penetrar com os sons no mais profundo, no mais íntimo da sua alma. Na verdade, nem sabemos muito bem que parte do eu estamos a atingir, quando tocamos alguém com a nossa música. Mas sabemos que estamos a atingir um centro qualquer, vital. Verdade seja dita que, no dia que souber como tudo isso acontece, deixo de fazer música...
Tocar em alguém com música não tem figurino, modelo ou horário. Pode acontecer da forma mais inesperada, com os meios mais sofisticados ou da forma mais singela. Acontece a este e a oeste. De dia ou de noite. Podemos estar sozinhos, em frente da fonte da música, a ouvir solitariamente um disco, Podemos estar acompanhados por milhares, integrados num qualquer ritual colectivo. Tocar por música não envolve contacto entre as dermes. É uma espécie de sintonia entre uns “chips” invisíveis, que a espécie parece possuir.
Eu já fui tocado pela música de outros e já toquei outros com a minha música.
Sabemos quando tocamos alguém com os nossos sons. É este o sortilégio, perfeitamente inexplicável, da música. É este o poder dos sons. Pode ser a Missa em Si menor de Bach ou o Requiem de Mozart, que nos deixa em lágrimas. Mas pode também ser um jovem aluno, de uns meros 10 anitos, numa aula de Educação Musical, ainda faltavam uns meses para Abril de 74, a improvisar, numa pequeníssima e rudimentar flauta de bambu, com três notas, uma melodia singela que nos entrou, violenta, pelo coração dentro. Que teve também o condão de deixar uma turma, habitualmente inquieta, totalmente presa, em inusitado silêncio.
Também sabemos quando esse fenómeno não ocorre. Quando há resistência, quando do outro lado ninguém se deixa tocar.
Ontem, quando terminou o Ritual Sonoro (cf. mais informação aqui), um dos acontecimentos que assinalou o lançamento da Bienal da Arte da Terra, ela própria uma emanação da candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia e vimos o sorriso e a expressão de felicidade dos diferentes participantes, músicos e ouvintes, neste Ritual, sabíamos que todos foram, todos fomos, profundamente tocados por aquilo que ouvimos. É um daqueles momentos em que sabemos que tocámos em algo que nos transcende, como simples mortais.
Estarão profundamente equivocados aqueles que não se apercebem deste poder e cometerão um erro brutal aqueles que, apercebendo-se, escolhem não atribuir o devido valor e extrair as conclusões correctas do sentimento que experimentaram.
Ontem, em Guimarães, mais uma vez, a música provou que constitui o meio mais poderoso para construir elos entre as pessoas. Não há outro.
Cada vez me convenço mais, aliás, que a Música foi desenvolvida pela espécie humana como forma de a preservar e salvá-la do perigo de extinção...

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