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OVNIS e a Lei dos Vasos Comunicantes

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J ohn Williams (*) é um compositor de fitas. Não se lhe conhece qualquer brilharete significativo, fora do domínio da música para cinema de grande bilheteira. Mas John Williams goza de um enigmático estatuto especial, não porque tenha inovado o género ou criado algo de especialmente significativo fora dele, mas porque sabe cavalgar a  blockbuster machine americana, proporcionando o fogo de artifício sonoro que os guiões hollywoodescos exigem. A música deste compositor vai ser apresentada em Lisboa, no amplo espaço do Vale do Silêncio, dentro em breve, executada pela Orquestra Gulbenkian. Não tenho a mínima dúvida que o evento vai ser um tremendo sucesso. Talvez tenha direito a directo e até, quiçá, abertura de telejornal. O espaço vai estar à cunha, com toda a gente de bem a assistir e a aplaudir, no final, de pé. Porventura possuídos pelo espírito de um evento recente, realizado em local não muito distante, os espectadores assistirão ao mega evento, reverentes e de mãos postas, ...

O(s) regresso(s)

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Estreou a peça Ajax, Regresso(s) , de Jean-Pierre Sarrazac, uma produção do Teatro da Rainha, encenada pelo Fernando Mora Ramos. É a 63ª peça para a qual concebi a musica ou o cenário acústico, quinta peça escrita por Sarrazac em que participo. Começou com a importante experiência que foi o Menino Rei , continuou com Envelhecer diverte-me , a Paixão do Jardineiro,  a Morte de um DJ e prossegue agora com este Ajax, Regresso(s). Regresso, também eu, com este  Ajax, Regresso(s)  ao Teatro da Rainha, companhia para a qual trabalhei em trinta outras produções, para além dos cinco referidos textos de Sarrazac, após um relativamente longo interregno. Regresso também com algumas sonoridades que me trazem à memória as minhas primeiras colaborações com a companhia. Ao contrário da figura da epopeia Homérica ou do herói do drama sofocliano, este Ajax é um personagem que nos suscita arrepios. Nada parece capaz de apagar a sanha sanguinária que o faz correr. Tentar compreendê-lo...

Uma mulher, num carro, a beber café (das notas de programa e algumas notas adicionais)

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Foto Carolina Lecoq O espectador entenderá, a seu tempo, no decorrer do espectáculo, a razão deste título.  A inspiração para ele remete para uma série de 2012, concebida pelo comediante Jerry Seinfeld, intitulada Comedians in Cars Drinking Coffee . A série, que totalizou 11 temporadas, para um total de 84 episódios, foi pensada originalmente para plataformas digitais e passou depois do site , onde pôde ser vista originalmente, para a Netflix . Em cada episódio Seinfeld convidava um colega comediante, e, para cada um, escolhia um carro clássico, que melhor se ajustasse à sua personalidade. Seguiam depois num passeio até a um café ou restaurante, onde os dois tomavam café e conversavam. Os episódios poderiam divergir deste formato singelo, com a inclusão de cenas mais ou menos improvisadas. Do formato desta série resultou, na minha opinião, uma das coisas mais bem concebidos a que pude assistir neste género. A qualidade da série resulta da enorme economia de meios, da sua subtil ...

A Cantata de Évora

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  U m telefone que toca. Passaram vinte anos. A surpresa do contacto. Do outro lado vem uma aliciante proposta: criar o envolvimento sonoro de um novo centro interpretativo, em Évora, instalado num espaço de características únicas, com muito material informativo para lá colocar. O “caderno de encargos” que me é transmitido, encerra um enorme e complexo desafio. O centro interpretativo precisa de som que lhe "acrescente" espaço e lhe alivie a pressão informativa, tornando-o mais ligeiro sem lhe comprometer. função. Som que substitua, na medida possível, parte dos habituais dispositivos usados para exibir este género de conteúdos, painéis, ecrãs. Mas som que funcione também como uma espécie "sala de espelhos" e, ao mesmo tempo, conferindo virtualmente mais dimensão ao espaço expositivo, ajudar a transmitir informação que, de outra forma, iria sobrecarregar   e saturar esse espaço. O telefonema foi de Cármen Almeida, coordenadora geral do projecto, que me transmite o c...

A história de uma canção

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  No magnífico documentário passado há dias na RTP2 (de 2018), a propósito do 75º aniversário de Joni Mitchell, há um curtíssimo momento, que conta uma história complexa. Graham Nash (por quem eu vim a ter muito menos admiraração do que durante a minha juventude, ao contrário de Joni...) canta Our House , uma canção que escreveu para ela em 1970. Ele tinha 27 anos, ela tinha 26. No final, visivelmente nervoso, levanta-se do piano, lança um olhar furtivo em direcção a Joni e sopra, aliviado. Joni olha-o, ao longe e diz tudo.

O novo normal

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A esteva ( Cistus ladanifer ) é uma planta muito comum em Portugal. A época da floração decorre entre Março e Junho. Nessa altura, os campos e os caminhos ficam marcados por extensas zonas cobertas pela sua flor branca e algumas pessoas referem-se-lha até como a “neve,” porque, de facto, faz lembrar um nevão tardio. São lindíssimos os campos cobertos de flor de esteva. Pessoa muito querida, todos os anos me manifestava um singelo e comovente, mas muito poético, espanto perante o espectáculo, sempre igual mas sempre renovado, desta neve-esteva.  A foto que acompanha este escrito foi tirada hoje, dia 24 de Dezembro de 2020.  São as primeiras flores de esteva.  Estamos em Dezembro.... Este é o ano da covid19, do vírus que era e que não era, dos estados de emergência on-off, das flores de esteva prematuras, dos crimes ambientais impunes, da miséria, das desigualdades e injustiças geradas por um sistema de que tantos beneficiam para prejuízo de tantos mais. O ano das escolhas...

O SOM DO CRAVO

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U m concerto em três andamentos. 1º andamento No princípio era o silêncio. O pensamento abafado, a voz muda, o segredo,  o degredo, a clandestinidade. “Se fores preso, camarada”... Portugal vivia em silêncio. Um silêncio que se vinha instalando desde tempos remotos da história, um silêncio que crepitava desde os autos de fé.  Fé. No final de 1973, início de 1974, acreditei (e continuo a acreditar!) que a educação musical é um factor de libertação. Que pela via da música todos podemos atingir o nosso apogeu, todos podemos ser melhores seres humanos. A experiência pedagógica, fugaz, que tive nessa altura, imediatamente antes do 25 de Abril, parecia confirmar que o meu credo — de que a música deveria fazer parte do currículo escolar, não do modo acessório como acontecia até então, mas como disciplina fundadora — é uma ideia razoável, para cujas bases queria contribuir. Silenciaram-me, de forma absolutamente patética, nestes propósitos. Havia tempo ...